quarta-feira, 16 de novembro de 2016

9º A e B - O mundo do Terceiro Milênio - 4º Bimestre (2016)

Davos X Porto Alegre

No início do século XXI, o embate era nítido. De um lado, os defensores da globalização a qualquer custo; de outro, aqueles que acreditavam que “um outro mundo é possível”. Geograficamente, Davos, na Suíça, e Porto Alegre, no sul brasileiro, explicitavam a enorme distância entre essas duas ideias.

Quatorze anos depois, o Fórum Social Temático, uma atividade militante bianual, entre um Fórum Social Mundial e outro, acontece na mesma Porto Alegre, mas sem o mesmo comparecimento de outras edições, que agitavam corações e mentes mundo afora. Para se ter uma ideia, na edição de 2003, quando Lula marcou presença na condição de presidente eleito, o centro de imprensa credenciou mais de 2.300 jornalistas de diferentes veículos locais e globais. Hoje, as informações sobre o Fórum Social Mundial se resumem a sites e blogues ligados às questões que comovem os movimentos sociais e ambientais, mas carecem de ampla participação. A próxima edição do Fórum Social Mundial em 2015, na Tunísia, dirá se a articulação global mantém força suficiente para enfrentar os grandes temas mundiais.

Já Davos, parece ter crescido em número e importância. São quase 40 chefes de estado e de governo que darão o ar da graça nas montanhas geladas da Suíça, além de uma centena de CEOs das maiores multinacionais do mundo, especialmente do sistema financeiro. Dilma Rousseff é a segunda presidente brasileira a comparecer – sucede Lula, que pretendeu levar a Davos, em 2003, a mensagem de Porto Alegre.

Mas essa vitalidade de Davos, que ganha as páginas dos principais jornais e revistas de economia do planeta, tem mais a ver com a contradição de base que um encontro desse tipo promove. Alertados pela desigualdade galopante em boa parte do mundo, já há anos os organizadores se debruçam sobre estatísticas que, de alguma forma, sensibilizem os investidores e os donos do capital a mudarem suas estratégias de ganho total e permanente. Na prática, é uma espécie de cruzada para que governos e empresas entendam que pobreza não combina com desenvolvimento social e, a médio prazo, se pode estar produzindo uma bomba relógio global.

Não é à toa que até o Papa Francisco enviou uma mensagem aos organizadores pedindo que os participantes do Fórum reflitam sobre as consequências de um sistema injusto como o capitalismo. Já Dilma Rousseff vai falar sobre aquilo que acredita, ou seja, dos avanços sociais de seu governo e da mão sempre estendida para os investimentos externos. Aliás, apesar do tom pessimista que cerca os analistas econômicos em relação ao Brasil, repercutidos diária e incansavelmente pela grande imprensa verde-amarela, o certo é que o país não está tão mal na fita.

Com a palavra, Stephen Rose, diretor da LatinCo, empresa britânica que auxilia instituições europeias a investir no Brasil e presença constante em Davos: “O pessimismo com o Brasil é um pouco exagerado, mas investidores estão certos em questionar a capacidade do governo de trabalhar com a iniciativa privada. O problema maior é que todo mundo fala em pessimismo o tempo todo. Para as pessoas que estão interessadas em investir, que é o meu negócio, isso é o que fica”. Porém, ele acredita que os investidores internacionais estão abertos a mudar de opinião. “Eu acho que há o começo do sinal de mudanças. Há o começo de um pequeno otimismo no Brasil”, diz. “Há pessoas indo a Davos que pensam: ‘será que o pessimismo atual não é exagerado?'”.

Para Irene Mia, diretora de América Latina e Caribe da consultoria britânica Economist Intelligence Unit (EIU), “o fato de Dilma ir a Davos é bastante importante. É um sinal de um certo desespero do Brasil de dizer ao mundo que o país está aberto para negócios e que há bom potencial para investimentos. E sendo sincero, ainda há muitas oportunidades”.

Por outro lado, as expectativas criadas pelas grandes manifestações de rua de junho passado, parecem sonolentas diante da magnitude que alcançaram naquele momento onde tudo era possível de se reivindicar, à esquerda e à direita. Assim, a realização de um Fórum Social Temático revela que a sociedade civil e, principalmente, os movimentos organizados andaram mais devagar do que os organizadores de Davos, mais preocupados agora em buscar saídas onde ofereçam os dedos mas não percam as mãos. A mesma mão invisível do mercado.



Movimentos sociais na era da internet

Ao mesmo tempo em que o sociólogo espanhol Manuel Castells falava em mais uma palestra do evento Fronteiras do Pensamento, que aconteceu no Teatro Geo na terça-feira desta semana, em São Paulo, a tensão entre manifestantes contra o aumento da passagem de ônibus e a polícia militar chegava às vias de fato a poucos quilômetros dali, na Avenida Paulista. Não estava alheio ao que acontecia na cidade, ao citar o protesto paulistano como uma das inúmeras manifestações de uma indignação que, nos últimos cinco anos, tem começado em um novo espaço social, a internet, para depois chegar às ruas, em massa.

O sociólogo é um dos principais acadêmicos a compreender esta mudança, que é o tema de seu novo livro, chamado Redes de Indignação e Esperança – Movimentos Sociais na Era da Internet, que deve sair no Brasil em setembro, pela editora Zahar. O livro também foi a base para sua conferência, em que começou explicando que qualquer manifestação política começa em nossas mentes para depois materializar-se na prática. “A forma como pensamos, determina a forma como atuamos. Portanto, o que realmente condiona o comportamento da sociedade é o que ocorre em nossas mentes”, explicou. Falou sobre o papel da coerção do estado para manter o poder (“uma tradição que começa em Maquiavel e que foi formalizada melhor por Max Weber”, disse) e como apenas o monopólio da violência – válido ou não – torna este mesmo estado débil. “Pois ao mesmo tempo há outra tradição, que inclui Bertrand Russell, Foucault e também Gramsci, que insiste no papel decisivo da persuasão para a manutenção do poder, pela maneira implícita e explícita de influenciar nossa maneira de pensar”, explicou, antes de cravar que “afinal, manipular as mentes é muito mais eficaz do que torturar os corpos”.

Com esta introdução ele explicou que a atuação do poder – de qualquer natureza, político, econômico, militar, tecnológico, etc. – não acontece sozinha, e sim com a participação da sociedade civil. “Nossas mentes vivem imersas em um ambiente de comunicação, onde construímos nossa forma de pensar e, portanto, de fazer o que fazemos”, considerou, lembrando que, com a chegada das tecnologias digitais, não temos mais como fugir deste ambiente – cada vez mais intenso, veloz e, portanto, mais decisivo para definirmos nossas posições e preferências, tanto quanto indivíduos como sociedade.

Eis o centro de sua palestra: o impacto que estas novas tecnologias imprimiram primeiro à sociedade, depois aos meios de comunicação – ou à “arena da comunicação”, frisando que não mais podemos separar o público dos grupos que antes controlavam este debate – e, finalmente, aos poderes políticos constituídos. “O poder político é construído no espaço da comunicação”, frisou, “este é o espaço em que se joga o poder”. Exemplificou o impacto da internet na sociedade moderna, primeiro em números, citando que há quase o mesmo número de linhas de telefones celulares ativas no mundo que de pessoas (“Sem nos esquecer que bebês – ainda – não usam celulares”, brincou), e como a evolução do digital e das tecnologias móveis aceleram um processo que está mudando a cara da política. “A humanidade está conectada”, atestou, “e isso aconteceu num espaço duas décadas, sobretudo nos últimos dez anos.”

Lamentou a crise do jornalismo, agente que funcionaria como mediador entre os poderes e as pessoas, mas que tem perdido o contato com o público por não saber dialogar com a nova realidade digital e estar obcecado com números de audiência – antes fáceis de ser conseguidos e que agora dispersam-se pois os espectadores e leitores não são mais “vegetativos” – como explicitou no caso do público da TV – e que consomem muito mais informação que antes, por canais diferentes. “O uso da internet se aprofundou pois novos espaços sociais de interação foram ocupados, cada vez mais personalizados”, continuou, listando redes sociais e enfatizando que o até o e-mail já perdeu seu espaço. “Há mais de 500 milhões de blogs atualizados diariamente, a maioria na China, e as redes sociais, hoje onipresentes, existem há menos de dez anos”, além de salientar que a internet se tornou um espaço multicultural, em que o inglês, por exemplo, perdeu a dominância: “Menos de 29% da internet é escrita em inglês”, reforçou.

Este novo cenário resulta na crise total do negócio tradicional da comunicação, disse Castells. “Ninguém ainda encontrou a resposta para a questão da perda do monopólio nas transmissões das mensagens. Todos os grandes meios de comunicação em todo o planeta estão em profunda crise empresarial, pois tentam se apropriar de um modelo que não entendem. É um problema mental – e generalizado no mundo todo. A internet é ativa, os outros meios eram passivos”, refletiu.

Castells também falou sobre como enfraquecimento dos meios tradicionais de comunicação afetou a política, que hoje busca um rosto para representar o poder, não apenas ideologias ou partidos. Disse que isso acontece pois há uma crise de representação de poder que encontra eco nos novos espaços sociais e faz que a sociedade se pergunte sobre seu papel nestes novos tempos.

O novo cenário é composto não apenas de veículos de comunicação de massa e ambientes digitais que permitem discussões entre as pessoas, mas de uma nova forma de comunicação, que chama de “autocomunicação de massas”. Ele explica o termo: “É de massas porque pode alcançar, potencialmente, milhões e milhões de pessoas. Não ao mesmo tempo, mas uma pequena rede se conecta a muitas redes que se conecta a muitas redes e se chega a todo o mundo”, definiu, “e é ‘auto’ porque há autonomia na emissão das mensagens, na seleção da recepção das mensagens, na criação de redes sociais específicas. Assim, a capacidade de encontrar informação é ilimitada, se você tem critérios de busca – que não são tecnológicos e sim metais ou intelectuais.”

E a partir daí começou a conclusão de sua conferência, explicando que movimentos como o que propôs a criação coletiva da constituição da Islândia, os Indignados na Espanha, o Occupy Wall Street nos Estados Unidos, a Primavera Árabe e o grupo Anonymous são parte de um mesmo movimento, coletivo e global, que não é político e sim social. “São estes movimentos, sociais e não políticos, que realmente mudam a história, pois realizam uma transformação cultural, que está na base de qualquer transformação de poder”, salientou.

Disse que estes movimentos começam na internet mas não são essencialmente digitais. “Eles só tornam-se visíveis e passam a existir de fato quando tomam as ruas”, explicou, reforçando que estes movimentos acontecem há apenas cinco anos e que eles não têm lideranças, que repudiam a violência e que embora não tenham objetivo definido, encontrem coincidências e semelhanças ao indignar-se. “São movimentos emocionais e que se unem pela recuperação de uma dignidade que se perdeu. Às vezes eles começam pequenos e parecem que se mobilizam por pouca coisa, mas que funcionam como apenas uma gota a mais em uma indignação que existe em todos os setores sociais, que as pessoas não aguentam mais”, realçando que isso pode ser a construção de um shopping para turistas na praça Taksim na Turquia ou no aumento de centavos nas passagens de ônibus em São Paulo. “Centenas de milhões de pessoas já participaram destes movimentos”, continua, “e são movimentos que podem ter saído das ruas, mas não desapareceram. Eles continuam online. Quando vem a repressão física, eles se retiram das ruas, rediscutem online. Não têm líderes nem programa, mas têm a capacidade de resistir e de renascer a qualquer momento. Isso só acontece porque há a capacidade de autocomunicação de massa que os permitiu existir”.

E conclui: “A palavra ‘dignidade’ aparece em todos os países, em todos estes movimentos, em diferentes países e culturas. Eles não têm uma reivindicação concreta, mas querem o reconhecimento da própria dignidade, pois as pessoas não se vêem reconhecidas como pessoas ou cidadãos”. Castells reforçou que as semelhanças entre movimentos que partem de causas tão distintas apenas enfatizam seu papel no século 21 – e compara o que está acontecendo nos últimos anos com o que aconteceu nos últimos 40 anos no que diz respeito às mulheres, sem se referir a um autor, ideologia ou movimento feminista específico. “Foi um movimento coletivo, em que todas as mulheres do mundo decidiram abandonar o papel de sujeitada para assumirem o papel de sujeitas da história”, reforçou, lembrando os avanços da ascensão do papel da mulher na sociedade na última metade de século, principalmente em comparação a milênios de história. E, segundo ele, isso está acontecendo de novo, nesta nova forma de manifestação social – que demanda mudanças culturais mais do que políticas.

O império estadunidense


A construção de um império, em particular um império capitalista no início do século XXI, requer uma elaborada arquitetura militar, para poder expandir, proteger e consolidar os grandes interesses econômicos, essenciais para os impérios modernos. Enquanto os "teóricos globalistas" escrevem sobre as "classes dominantes mundiais" e o "fim do Estado-nação", o aparato militar do Estado imperial tem crescido enormemente durante a última década e tem uma importância fundamental para promover e proteger as corporações, os bancos e as empresas de importação-exportação baseadas nos EUA. 

O objetivo deste artigo é descrever e analisar o alcance, a profundidade e a estratégia do aparato militar dos EUA na América Latina - destacar seus múltiplos enlaces e controles sobre os militares e como estes controles se dirigem a aumentar o poder do Estado imperial norte-americano. As vastas operações dos militares dos EUA e o êxito alcançado em forjar instituições militares dependentes, mediante uma complexa rede de programas e atividades conjuntas, refutam a retórica sem sentido sobre o governo das "corporações globais". Para demonstrar a importância do militar, este artigo se centrará no Império norte-americano na América Latina. 

Em um primeiro momento, analisar-se-ão os interesses econômicos estratégicos dos EUA e a justificação ideológica da expansão militar norte-americana na América Latina. Posteriormente, centrar-se-á na arquitetura do império militar, especialmente no estabelecimento de relações de dependência ou mercenárias. Dando seqüência a essa análise, serão tratados os objetivos operativos e a propaganda desenhada para legitimar a militarização da política latino-americana submetida à tutela
dos EUA. Na conclusão, será discutido o fenômeno duplo da expansão do controle militar dos EUA e o fortalecimento do papel dos militares nas decisões sobre as prioridades da política latino-americana; o impacto sobre o sustento e as estruturas do sistema político; e o papel do Império norte-americano em esboçar a política inter-americana. 

As instituições militares estratégicas, assim como as políticas dirigidas à América Latina, têm sido detalhadas sucintamente pelo General Peter Pace, Infantaria da Marina dos EUA, Comandante Chefe do Comando Sul dos EUA (em inglês US SOUTH COM). A área de responsabilidade do US SOUTH COM abraça toda a América Central e a América do Sul, Caribe e as águas que a rodeiam, totalizando mais de 15,6 milhões de milhas quadradas e mais de 404 milhões de pessoas. Este informe se baseia no testemunho do General Pace frente ao Comitê de Serviços das Forças Armadas do Senado dos EUA em 27 de março de 2001.



Nenhum comentário:

Postar um comentário